Entrevista com o Psicanalista Carlos Medrano

24/05/2011 11:50

 Gostaria que nos apresentasse agora um pouco da sua atuação profissional atual, fazendo uma relação da sua realidade atual com as expectativas que você tinha durante a graduação.

Atualmente trabalho como psicanalista e como professor em 3 instituições de ensino superior ( graduação e pós-graduação). Também como supervisor de psicanalistas em formação, coordenando grupos de estudo e, assessorando diferentes instituições públicas e particulares. Coordeno um projeto de extensão em andamento sobre Nascimento e Parto desde a perspectiva da Prevenção Quaternária e dois projetos que estão sendo implementados no São Camilo. Um sobre “Psicanálise: aquém e além da Clínica” e outro sobre “Medicalização da saúde em Blumenau e Região”. 
Estou fazendo o que eu gosto, fazendo coisas que desejei desde a graduação. Levou algum tempo a construção deste momento profissional. Profissionalmente sou bem parecido ao que imaginei naquele tempo, investimentos desiderativos e tesão (com todas as nuances de sentido) foram, são pilares sobre que estão construídos meu afazeres profissionais.
 
Carlos, por que Psicanálise? Quais características do pensamento psicanalítico foram mais decisivas na sua escolha de abordagem?
Cheguei a Psicanálise meio que de penetra. Pessoas de círculos íntimos conhecem esta história. Abro agora para vocês de forma resumida. Durante a minha formação escolar em Buenos Aires tive oportunidade de conhecer, estudar e ler no Segundo Grau diversos filósofos. Dentre eles, Sartre. Um dos textos que chamou minha atenção durante a adolescência foi “O ser e o Nada”.  Quando entrei na universidade defendia o “existencialismo sartriano” como corrente psicológica válida como teoria capaz de contribuir  diferentes formas de o sujeito se “desasujeitar”. Faço um parêntese aqui para ter cuidado de não confundir esse “existencialismo sartriano” de outras formas de “existencialismos light” que pouco tem haver com o existencialismo e ainda menos com Sartre que muitas vezes são oferecidos como escolas de formação. Fecho parêntese. Em Buenos Aires desde há muito tempo se respira Freud, se respira Lacan, Melanie Klein, Winnicott, os pais da psicologia social da argentina, Pichon Riviere e Bleger. Na universidade também apesar das interdições por parte dos militares e dos grupos reacionários e fascistas que proibiram e criticavam a Psicanálise durante os anos de obscurantismo. Eu mesmo criticava e discutia com professores e colegas a psicanálise. Minha fala era a fala de papagaio: repetia as críticas sem conhecer de primeira mão a psicanálise. Foi assim que no final do segundo semestre tive a oportunidade de comprar as obras completas de S. Freud. Dediquei todo aquele verão a ler, minhas férias foram ler ludicamente Freud. Brigar com ele, concordar com ele, conversar com esses textos. À medida que ia me adentrando na leitura fui descobrindo que a psicanálise oferecia uma forma mais aprimorada, não por isso mais completa (palavra esta perigosa para qualquer teoria), sobre a constituição subjetiva, sobre a possibilidade não de encontrar respostas senão pela possibilidade de formular novas perguntas. Acredito que a escolha por esta abordagem tem muito mais a ver com os questionamentos que com as respostas que possa ter encontrado. Então, entrei no terceiro semestre do curso de psicologia decidido a aprofundar meus conhecimentos em psicanálise e comecei minha formação dentro da Escola Francesa, minha análise pessoal e assim por diante fui configurando essa escolha.       
 
Na sua opinião, a psicanálise ainda é sinônimo de Psicologia clínica? Existe possibilidades de intervenções eficazes em outras áreas que demandem talvez uma psicoterapia breve, como é o caso da hospitalar? Como a Psicanálise acompanha o surgimento de demandas de características mais urgentes de intervenção?
O Projeto: “Psicanálise: Aquém e Além da Clínica” propõe refletir e levantar as múltiplas possibilidades que a psicanálise oferece não somente no campo da clínica senão também no que alguns chamam de psicanálise em extensão. Santa Catarina em particular, e aqui acho que há um campo interessante de pesquisa, historicamente não incorporou estas outras possibilidades da psicanálise. Ainda hoje convivemos com o preconceito de uma psicanálise burguesa, criticada por esquerda ou de uma psicanálise “não científica” criticada por direita. Falsamente se tenta criar oposições radicais fundamentalmente  em relação à psicologia social e comunitária. Há no Brasil muitas experiências de trabalhos na Saúde Pública, nos Hospitais, nas comunidades e organizações de todo tipo. Obviamente não vão pretender que a partir dessas intervenções desde a perspectiva psicanalítica tenhamos sujeitos ou instituições adaptados, dóceis e disciplinados. A psicanálise não foi criada para isso. Uma aprimorada leitura de Foucault (embora ele tenha tido em vários artigos críticas à psicanálise) nos leva a concluir que talvez seja a psicanálise o discurso do campo “Psi” que mais se aproxima a esse sujeito capaz de cuidar de si a partir de uma ética da existência. Ao mesmo tempo temos um sujeito pensado a partir da psicanálise capaz de subverter o instituído, capaz de construir instituintes. Por outro lado a possibilidade de trabalhar desde uma perspectiva psicanalítica em instituições hospitalares, educativas ou em estratégias de “consultas avulsas” podendo levantar o que é da ordem do inconsciente e do desejo facilita a construção de dispositivos nesses âmbitos de intervenção. Durante muito tempo nós psicanalistas ficamos presos a formas que poderíamos chamar de “super-egoicas” onde tudo estava proibido. Embora desde Freud, passando por Winnicott, Lacan, Mannoni, Doltó e depois os “deconstrutivistas”, criaram formas que ainda hoje, muitos que mantém uma relação do tipo religiosa com a igreja psicanalítica propõem uma espécie de inquisição aos que se atrevem e ousam pensar alternativas ao rito psicanalítico. A psicanálise na qual trabalho é da ordem do Mito, é da ordem do brincar e não da ordem do jogo.